Enquanto estávamos na escola chegou o dia 24 de Março. Dia em que se comemora a Memória, para que a Argentina nunca esqueça ou volte a permitir uma ditadura como a que governou o país entre 1976 e 1983. Vimos um filme sobre o assunto e debatemos (nós assistimos) o tema. Tratou-se de um golpe de estado das forças militares conjuntas que derrubou o governo da mulher de Perón (não a Eva, a Isabel).
Estima-se que tenham "desaparecido" cerca de 30.000 pessoas (acima de tudo jovens estudantes, profissionais liberais ou trabalhadores) empurrados a meio da noite para um dos inúmeros Ford Falcon verdes que circulavam pelo país.
Sobre essas pessoas nada mais se ouviu, sabe-se que foram levadas para algum dos 367 centros de detenção onde foram torturadas. Depois presume-se que tenham sido mortas. Nunca houve certezas, porém. O que levou várias mães de desaparecidos a reunirem-se na Plaza de Mayo em Buenos Aires, manifestando-se, exigindo saber do paradeiro dos seus filhos. Por causa do estado de sítio instituído no país não podiam ficar paradas na sua manifestação, pois isso era garantia de ida para a prisão. Pelo que caminhavam incansavelmente à volta da pirâmide central da praça. As 3 fundadoras das Madres de Mayo, mais umas freiras e mulheres de organizações de direitos humanos internacionais também desapareceram.
Entretanto, o país aparentava andar em festa. Realizava-se o Mundial de 78 aqui na Argentina. Não era nascida, mas lembro-me de me falarem de um jogo muito polémico entre a Argentina e o Perú nesta altura. Mas não sabia porquê. Os militares queriam que este evento fosse uma mostra mundial de força e poder, mas acabou também por ser uma janela aberta sobre os crimes comentidos durante a Guerra Sucia. A Holanda acabou por dar cobertura televisiva às Madres de Mayo e a selecção Holandesa (que jogou a final contra a Argentina acabando por perder), inicialmente recusou-se a jogar e recusou-se depois a cumprimentar os dirigentes argentinos na altura de receber as medalhas.
Falar sobre esta época ainda exalta os ânimos e desperta emoções fortes nas pessoas. Há sempre um tio, um amigo, um vizinho que desapareceu. Este tipo de situações afecta-me sempre. à semelhança do que senti nos Killing Fields do Cambodja não consigo evitar o sentimento de impotência, de "porque é que não fizémos nada?!". Hoje, por toda a Argentina, desde o ponto de exclamação em conversas sobre o tema às paredes pintadas de Buenos Aires, as pessoas clamam Nunca más. Espero que não...
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